sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Desayuno


“Caminhante,
não há caminho,
o caminho se faz
ao caminhar”

Antonio Machado















MOVIMENTE-SE

O caminho se faz caminhando. E você, vai ficar parado?
A nova idéia, a construção, desconstrução e reconstrução da vida e do mundo requer movimento...

ADELANTE...
MOVIMENTE-SE!!!

Não há silicone para a realidade, não há marca, cigarro, carro ou putaria que possa consumir a dor do parto, da fome da filha, do aluguel e carnê   vencido,  do busão atrasado ou do cansaço que consome e nunca  passa.

As lagrimas e suor derramado rega a terra onde nascerá a utopia
Por isso a cada passo, seguiremos ADELANTE, nesse eterno caminhar em busca do novo.

Ovelhas que se pastoreiam: ADELANTE
Punhos fechados e braços abertos: ADELANTE
A luta pede dedos em riste e sorrisos no rosto.

ADELANTE!!!

COLABORADORES - FRONT DA FRONTEIRA

Alexandre Palmar - Adna Rahmeier - Florentina Peralta -  Eliseu Pirocelli - Bruno Eliezer -Danilo Georges- Sannes Fortuna - Atilon Lima - Mauricio Ferreira - J. Carter - Sofi Esc - Carlos Luz - Tchella Maso – Guata.

Foto da capa: Maria Buzanovsky
Frase da capa: Antonio Machado

Fotografoz: Evento Ponto de Encontro - Pista Pública de Skate

FALATÚ - O SALVE DA GALERA


Tudo aquilo que pretendemos ser, está em formação juntamente com toda essa filosofia que criamos. Ela também me é necessária e eu curti muito esse poema [revelia – Fernanda Regina da cunha – edição 01] e tantos outros que li aqui! Parabéns
(Adna Rahmeier)

A realidade... uma outra poética. Obrigada pela sua visão!
(Florentina Peralta)
[Comentário nas fotos de Atilon Lima - postadas no blog]

MANDE UM SALVE: zineadelante@gmail.com

VOCÊ PAGA ALUGUEL?!















Você sabia que se todos os imóveis desocupados no país fossem utilizados por pessoas que necessitam de moradia, ainda sobrariam 200 mil casas....?!

Os primeiros dados do censo realizado em 2010 pelo IBGE estão sendo disponibilizados. Existem hoje no Brasil cerca de 6,07 milhões de domicílios vagos e seria preciso 5,08 milhões de casas para que todas as famílias brasileiras vivessem em locais adequados.

O déficit habitacional é baseado em outro levantamento do IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Ele soma o número de famílias que declararam não ter um teto ou que habitam locais inadequados, mas não leva em conta as famílias que pagam aluguel.

O censo mostrou que São Paulo  é  o  estado  com  o  maior número de domicílios vagos, somando mais de 1 milhão. Ao mesmo tempo, de acordo com o Sinduscom-SP, são 1,127 milhão de famílias sem teto ou sem uma casa adequada. Um levantamento realizado pelo movimento de moradia aponta que pelo menos 400 mil imóveis estão desocupados na cidade de São Paulo. Mas ao mesmo tempo uma série de despejos e remoções estão em curso.

O movimento denuncia a situação de abandono das famílias sem-teto e a falta de comprometimento do governo.

Fontes: Agência Brasil, Rádio Agência NP, Jornal do Brasil.

¿Cuerpo es? - (Sofi Esc)


Un instrumento,
y también pecado.
Al contrario del alma, es tangible.
Chupable, mordible, lamible
ora represión, ora libertad
¡libertinaje!

Cuerpo es, imperfecto
e intimida.
Es piel vibrante, húmeda;
es herida, es cicatriz
es MEMORIA.

Cuerpo es, territorio
es Sujeto
es Objeto
amarrado, condicionado, tapado,
¡pudor!

Cuerpo es LUCHAS:
de clases
de género
de étnia

Es el tiempo
y nuestra metamorfosis.
Materialización de nuestro ser
en el espacio.

Cinco sentidos:
el afuera entra por los 'buracos'
y el placer también.

¡Cuerpo te amo!
¡Cuerpo te odio!
Eres capacidad e incapacidad
Tienes vida propia,
cuando bailas.

Eres vida y la muerte.

Mínimas poéticas - Carlos Luz


mínima realista

atéprincipedeacalanto
umdiaperdeoseuencanto

mínima geométrica

nuncagosteidegeometria
mastuasformasestudaria

mínima alinhavada

sealinhanalinhalida
seaninhanaminhavida

ELEIÇÕES BANGUELAS - Bruno Eliezer
















Novamente, período das eleições. Época de empregos temporários, do aquecimento esperado nas gráficas, no aumento nos ganhos de publicitários. Dos planejadores oficiais de campanhas. Dos cabos eleitorais pagos. Há quem diga que o único beneficio das eleições são os trabalhos gerados para si. Vejo também o fenômeno dos homens faixa, as mulheres porta-bandeira e panfleteiros competindo espaço com os pedintes, os malabares e os passantes nos sinaleiros.

Almejando atenção o candidato patrão, sorridente na foto, com v de vitória, escancarando seu número com o imperativo vote! O mar de faixas e bandeiras, às vezes parecendo uma grande festa colorida, as cores predominantes, azul e vermelho. As senhoras gordas contratadas para tremular a bandeira o dia todo, queimadas de sol e aflitas por água. Banguelas, moradoras de bairros distantes e sem entender o que realmente pode significar um resultado eleitoral. Longe dos ternos caros estão as camisetas furadas dos seguradores de faixa em pontos de destaque da cidade, pensando na vida como um comercial. Ou na novela se vendo como um potencial personagem prosperando no trabalho e comprando carros. Tenta se esforçar para esquecer da realidade embrutecida, da política que não há política.

Não sabem as propostas dos candidatos por quem transpiram o dia todo, das diferenças ideológicas das bandeiras e da ideologia que permeia seus pensamentos. A ensurdecedora propagação de singles emburrecedores, que calam qualquer raciocínio, em seus ritmos de sertanejo, forró, funk ou rock comercial. Incutindo-nos a besta ideia de que o número mais ouvido será o merecedor de nosso voto.

Todos ganham com as eleições? - Com certeza não, e uns saem ganhando mais ainda. E para maioria nada muda e se muda é para pior. A política tomas rumos despolitizantes às vezes, já que nadar contra as correntes empresariais dos níveis locais, nacionais e principalmente internacionais é coisa do passado.

Parece que é coisa antiga confrontar-se com interesses dos grandes, pelo contrario, hoje até o respeitamos, pois sabemos que as armas para lutar estão dispersas em áreas televisivas. Pois, no Brasil, temos pouco do debate de ideias da militância pensante, disposta a ideias. Tivemos muitos antes, porém o peso da idade incapacita para ação, com todo respeito. E nossa geração esta embriagada de coca-cola. Ocupada com o facebook. Mal temos política. Apenas a politica eleitoral, de véspera, da pressa, do discurso ditado pelo marqueteiro.

Temos uma ideia vaga de projetos. Inclusive as propostas de candidatos parecem estar eternamente em vias da construção de seu projeto. O que manda é a política de campanha, de quem convence o povão a votar neste ou naquele partido. Às vezes dá impressão que nem há oposição porque são tão amplas as coligações de um ou outro candidato que a política se torna única.

É claro que exagero um pouco, é certo que a política é feita de projetos. Mas que não seja apenas projeto, e sim ações. Que seja real. Que aqueles que trabalham nas campanhas possam saber de verdade o que estão fazendo e escolher fazê-lo ou não. Que as eleições sejam capazes de escolher os defensores dos direitos do povo, não das corporações sanguessugas, não dos empresários ávidos por lucros maiores, apoiadores de candidatos com a boca cheia de dentes, enquanto, quem trabalha para sua campanha não tem nenhum.

MAIS UM VERSO SEM APLAUSO - Rajada Mc’s




















O ator tomba sem vida, enforcado em sua própria gravata. No centro do palco sentada em uma poltrona, toda poderosa, a atriz esboça um sorriso. As luzes se apagam, a platéia se levanta e irrompe em aplausos. As luzes se acendem e a atriz diz: “tem algo estranho acontecendo nesse país... estão aplaudindo o crime”. Os aplausos ganham mais força.
Esse é o final da peça “Alzira Power”, de Antônio Bivar e direção de Gustavo Paso, encenada no Iguaçu Boulevard em 2008.

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“Essa musica aqui é direcionada diretamente pra sociedade, que aplaude nosso sangue escorrendo, nosso povo sofrendo, por isso esses versos aqui são sem aplausos”.

Essa foi a fala do grupo Rajada Mc's de Campo Mourão no evento chamado “A Voz do Interior”, que aconteceu em Cianorte, interior paranaense, em dezembro de 2011.  Foi o discurso de abertura da música “Mais um Verso sem Aplauso” que será lançada em seu novo álbum intitulado NovaMente.

A música do RJD é muito interessante e traz uma discussão importante sobre aquilo que se deve ou não ser aplaudido na sociedade atual. Vivemos nos dias de hoje sobre uma espécie de “ditadura do aplauso”. É a banalização do aplauso em programas de auditório, shows de celebridades e comícios, levando em conta que boa parte dos aplaudidos merecem na verdade uma enorme vaia.

“É mais um verso sem aplauso / Se no baque da quadrada eu vejo o sangue escorrendo no asfalto / É mais um verso sem aplauso / Crack, cachimbo, caixão, nóia que vira finado”.

A música nos trás fragmentos de tudo o que é mais doloroso pra um morador de favela e bairros periféricos: O abandono do governo, a fuga nas drogas, os assassinatos, a fome, o desemprego, a corrupção, a criminalidade e a falta de perspectiva de uma juventude jogada ao léu. Uma cena triste que não merece aplausos.

O rap é um dos poucos gêneros musicais da atualidade que ainda foca suas composições na denuncia de um sistema que está a favor de uma minoria. Nesse contexto pós-ditadura militar, não temendo as represálias, o Movimento Hip-Hop teve a coragem de dizer que o rei continua nu, e que nossa democracia é ditadora.

A peça de Bivar, cujo título original é “O Cão Siamês” foi escrita em 1969, enquando o Brasil amargava uma ditadura militar e uma parte da sociedade também aplaudia os crimes cometidos pelo regime.

A maioria dos militantes do Hip-Hop se posicionam na contramão da cultura dominante e ainda sofrem grande pressão do mercado e da indústria cultural para abandonar o discurso áspero e produzir um rap mais colorido, ameno e que se limite ao entretenimento.

Nessa canção o Rajada traz também a discussão sobre o preconceito com o rap e a favela: 
“Nóis  é  rap,  é  favela,  de  marginal somos chamados / Mas na verdade somos marginalizados”.

Podemos observar que acontece por parte da elite, uma tentativa de rebaixar a favela e as suas manifestações culturais, como uma forma de desqualificar o discurso.  Cria-se uma relação de poder entre quem tem o aval para falar e expor sua visão, e aqueles que só podem escutar.

O ministério RJD adverte: Mais um verso sem aplausos, e nenhum minuto de silêncio.


AMÉRICA LATRINA - J.CARTER

















AMÉRICA muda...
calada, sangrando.
América MODA
de europeu...
feita “pra inglês vê”!
Vendida na Times Squere...

FEDIDA!

América LATRINA
de português...
de espanhol...
de holandês...
de burguês norte americano!

América SURDA
Que não ouve o pranto do nativo...
do “SELVAGEM”...
do Sem-Teto...
do Sem-Terra...
onde a miséria, faz parte da cena:
na escola falta merenda...
falta leito no hospital...

América da MORTE
num norte, de estados desunidos
e desumanos,
tantas revoluções...
tantos massacres...
tantas convulsões...

América INDIGENTE
e de gente, indigesta...
latinos, negros, indígenas...
banquete pra festa,
da exploração... da escravidão!

Quantos são?

Os negros trucidados...
os índios massacrados...
e os seus descendente humilhados pela servidão...
quantos serão?

América que MUDA!

Eu sou BRASILEIRO
latino...americano...
tenho sangue negro,
sangue caboclo...
indígena e mameluco
correndo em minhas veias
e me recuso a admitir que
somos apenas esse monte de BOSTA!


TÁ MEIO BAMBI... É DE CORAÇÃO - Alexandre Palmar













É difícil entender tanta preocupação com a morte da onça-pintada e do veado-mateiro no Parque Nacional do Iguaçu, enquanto a fauna está mais viva do que nunca pelos quatro cantos da cidade em busca da nossa atenção. Na real, os crimes na floresta são fichinha quando comparados com o desfile tragicômico de seres assanhados em Foz do Iguaçu.

Por esses dias, os ambientalistas poderiam trocar de papel com a gente. Como estão acostumados a lidar com animais, eles sairiam da toca e cuidariam dos bípedes desalmados. Já, nós, iguaçuenses, que não temos muito estômago para engolir anta mentindo na cara dura, poderíamos hibernar por uns tempos lá pertinho das cataratas.

Isso mesmo. Afinal, é um tal de camaleão-desarmado, quati-delegado, sapo-rosa, cavalo-véio, baratinha, formiga, tubarão, jaboti, corujão, ave de rapina, entre tantas outras espécies caçando voto na cidade que fica até difícil separar realidade da ficção. Vendo essa "gente" comendo solto por aí vem logo à cabeça duas obras do homem-sapiens.

A primeira, o filme de animação “Madagascar”, que narra a trajetória de um grupo de bichos que fogem do zoológico e tocam o foda-se pelas ruas e avenidas de Nova Iorque. Eu me remexo muito / Remexo.../ Muito. A segunda contribuição humanística é “A Revolução dos Bichos”, livro no qual o mais bem intencionado dos porcos, assim que assume o poder, explora outros bichos até a morte.

Pensando bem, diante dessa metamorfose toda, fecho com “Saltimbancos”. Sempre gostei mais de gato, cachorro, burro e galinha. O musical adaptado por Chico Buarque é uma ode para as transformações verdadeiras. Cada bichano lutando por seus direitos, por seus sonhos e por um lugar ao Sol.

Dorme-te Divina – Danilo Georges



















Divina, você dorme!
Mas eu deito-me em seu leito
Quando apenas queria deitar em seu corpo
Enquanto se torna um sonho meu
Sonho contigo, sonho-te!

Tu me bebes, e eu me converto na tua sede
Seus lábios me mordem, seus dentes me beijam
Sua alma me habita, minha pele te veste,
Você a noite é impulsiva, estrela marinha ardente

Sua cabeça deitada, sobre meu peito poeta
Trocamos energias, caricias e películas
Você me envolve no seu mais profundo sonho
Como um menino em seus braços
 Sinto-me protegido e acolhido

Nossos sonhos são lirismos do destino
Juntos, somos ritmos construtivos
Ao seu lado está nascendo um novo tempo
Tento me livrar da sina do machismo

Seu amor é perene, sua Natureza é Amante,
seus olhos são brilhantes
Resta-me o fogo no lábio para saciar seu desejo
Seu suor me molha, sua respiração melodiosa me inspira
 Meu coração não bate, tamborila! Divina você dorme!
Dorme-te divina! Pois acordada Sensualiza a minha vida

TEMPO - (Sannes Fortuna)







Tempo diário que de mim se esvai, em milésimos de segundos a vida que eu tinha já não é mais, e meus pedaços de tempo se vão, como na intensidade de um bilhão, não pranteio mais a escuridão e nem o lamento, o que busco é o entendimento do ritmo do tempo dos dias que já não me pertencem mais.

FOTOGRAFOZ - Atilon Lima

















Michel Flávio fazendo do sport vida


Um sábado a tarde, uma cidade e seus afazeres,
uma moçada afim de tratar da vida mais além da mesmice.
Um movimento do movimento das coisas.
Assim acontece o Ponto de Encontro.
Ideia que nasceu para ocupar logradouros públicos
em Foz do Iguaçu.
Os organizadores são artistas, estudantes e professores.
O sotaque é sulamericano
e o único padrão é a espontaneidade.



BOTO FEZIS













Após quase três meses de greve nas universidades federais, o governo da presidente Dilma, acuado e sem resposta ao funcionalismo púbico, promoveu junto a setores conservadores da imprensa um verdadeiro  ataque à educação pública.

É preciso deixar claro, que tal fato decorre do autoritarismo e da arrogância do governo. E também por seus compromissos com um modelo econômico que não permite os investimentos necessários para que a educação pública federal se expanda, com a garantia de qualidade às condições de trabalho e ensino, e à estrutura da carreira dos professores.

O governo decidiu direcionar o dinheiro público em benefício do capital privado enquanto as universidades públicas são sucateadas e o trabalho dos professores precarizados. E se não bastasse, tirou do armário um arsenal de projetos de lei que limitam o direito de greve.

Uma grande contradição é que o atual ministro da educação Aloizio Mercadante foi um dos fundadores do sindicato dos professores (ANDES) nos anos de 1980 e hoje ele mama nas tetas do governo federal e diz que a Greve é sem razão!  

as desventuras de ISMAEL-VILL - Eliseu Pirocelli












Ismael viu a nova plantação
De lâmpadas fluorescentes
Que crescem na roça do seu João

Embaixo do linhão
Acendem nas madrugadas
Roubando a cena dos vaga-lumes
Que fogem envergonhados

A força da indução
Na quebrada que come luz
Gera fetos de milho mal formados

Povo de coração mole e barriga dura
Prematuros de sofrimento
Órfãos da proteção
Tratados como uma peça corroída
Que precisa ser trocada

Apertados com chave de fenda
Cada vez mais pro canto da cidade
Vivendo em alta tensão
Fios desencapados
Isolados com fita isolante auto fusão

Ismael viu os corpos eletrocutados
As cinzas caindo do céu
As mãos lançando raios
O líquido vermelho, fervendo
Tingindo o calçamento

Tanta energia gasta
Em nome do patrimônio alheio
Pouca disposição pra luta
Tantas portas fechadas
Pouca roda pra muito freio

Ismael viu o sol irradiando radiação
A chuva ácida corroendo o aço
Os efeitos colaterais
Vindo das beiradas, das laterais

De um lugar jogado pra escanteio
Um povo que joga na raça
Sempre derrubado na área
Mas, nunca pode cobrar o pênalti
Impedidos, rebaixados
Levam dribles da felicidade

Ismael viu o choque de 10 mil volts
Incendiando a alma
Modificando a genética
Despertando o vulcão do câncer

A visão de raio-X
Leu as entrelinhas do mundo
As placas tectônicas entrando em atrito
Tremendo as mãos de cirrose
Dos homens de rosto enrugado
E pele queimada de sol

Ismael viu a morte
Com seu uniforme de trampo
Cartão ponto na mão
Registrando as horas extras

Capacetes, capacitores
Ferramentas, disjuntores
Conjunturas conturbadas
A ferrugem corroendo as esperanças
A vida por um fio de cobre

Ismael sonha com o dia
Em que o espantalho ganhará vida
E esse povo mutante
Em constante mutação
Brilhará alto
E assaltará os céus da cidade

VÍCIOS_MAURICO FERREIRA

Minha relação com o cigarro não foi diferente da relação que tive com alguns seres humanos.

No inicio, havia aquela paixão, e acima de tudo admiração. Lembro-me que fazia questão de parar meus afazeres fossem eles quais forem; tudo por causa daquele sacro cinco minutos de veneração ingênua. E assim era: sentado em alguma cadeira ou escorado em algum muro, entregava-me a ele de tal maneira que o resto do mundo passava a me ser exclusivo.

Embora fosse um triângulo amoroso, não havia ciúmes; numa ponta, minha boca, na outra, a fagulha da paixão; hai! e isso incitava-me tanta euforia. E assim eu ficava: ansioso diante da espera daquela manta acrobática que ora apresentava-se amórfica ora representando algum concreto objeto, um busto, rosto ou até mesmo um oceano. E em seguida o que era tão aguardado acontecia: o manto surgia de dentro de mim e rodava, quase uma baiana, quase uma bailarina alado; e eram duas, três, muitas! E aquela beleza no ar, vulcão de neve tão sutil e singela gradativamente sumia, desintegrava-se e espalhava-se no ar, muitas vezes conduzida pelo robusto parceiro: o vento, e seguiam, rumo ao céu, camuflando-se nas estrelas ou nas nuvens brancas e fofas como tais.

É, mas vejo que a paixão acabou, aquele algodão tornou-se amargo, e acima de tudo a admiração também evaporou, como se cada vez que eu expelisse de dentro de mim aquela fumaça, um pouquinho de tudo seguisse junto, rumo ao além. E hoje vejo-me perdido no tempo, como se tivesse voltado ao feudalismo, pois assumo a servidão. Estou preso a ele, num ciclo de posse irracional, sob a mentira de que ainda nos necessitamos.

Mais claro? A situação está assim: acendo-o, trago e apago enterrado-o no cinzeiro junta a tantas outras pontas ou entre meu sapato e as calçadas imundas de um lugar  qualquer.  Mas aí está; faço tudo sem me dar conta, como se ele nunca tivesse estado alí nas minhas mãos, na minha boca e internamente lambendo o meu corpo. E assim como no sexo, também não há diferença, sempre damos uma rapidinha antes do ônibus chegar. Tão logo este chega, nem o apago, jogo no chão, descarto-o mesmo pela metade; a porta se abre e subo afoito os degraus, e quando os desço, lá está ele de novo entre os dedos.

Na verdade hoje ele só complementa os meus dedos. Entre o indicador e o médio situa-se como um sexto elemento, e daí em resposta à minha indiferença, ele me corrói, sua cólera é tanta que do seu branco me amarela as pinças de carne  que  tanto lhe sustentaram, sustentaram, e assim o faz igualmente à minha boca: no meu beijo frio, vinga-se escarrando nos meus dentes e língua.

É, aquela que era admiração branca, antes vinda do meu cerne, antes uma opção sadia e feliz, tornou-se meu necessário ar infernal e está agora manchando de outras cores impuras o meu ser, cujo raio X muito evidencia e não nos engana, doença! Por isso digo, minha relação com o cigarro não foi diferente da relação que tive com alguns seres humanos; a linha tênue, antes amor e de repente objeto, diferencia-se apenas quanto a fisiologia, enquanto um manchou-me o pulmão, a outra, outro órgão.