No inicio, havia aquela paixão, e acima de tudo admiração.
Lembro-me que fazia questão de parar meus afazeres fossem eles quais forem;
tudo por causa daquele sacro cinco minutos de veneração ingênua. E assim era:
sentado em alguma cadeira ou escorado em algum muro, entregava-me a ele de tal
maneira que o resto do mundo passava a me ser exclusivo.
Embora fosse um triângulo amoroso, não havia ciúmes; numa
ponta, minha boca, na outra, a fagulha da paixão; hai! e isso incitava-me tanta
euforia. E assim eu ficava: ansioso diante da espera daquela manta acrobática
que ora apresentava-se amórfica ora representando algum concreto objeto, um
busto, rosto ou até mesmo um oceano. E em seguida o que era tão aguardado
acontecia: o manto surgia de dentro de mim e rodava, quase uma baiana, quase
uma bailarina alado; e eram duas, três, muitas! E aquela beleza no ar, vulcão
de neve tão sutil e singela gradativamente sumia, desintegrava-se e
espalhava-se no ar, muitas vezes conduzida pelo robusto parceiro: o vento, e
seguiam, rumo ao céu, camuflando-se nas estrelas ou nas nuvens brancas e fofas
como tais.
É, mas vejo que a paixão acabou, aquele algodão tornou-se
amargo, e acima de tudo a admiração também evaporou, como se cada vez que eu
expelisse de dentro de mim aquela fumaça, um pouquinho de tudo seguisse junto,
rumo ao além. E hoje vejo-me perdido no tempo, como se tivesse voltado ao
feudalismo, pois assumo a servidão. Estou preso a ele, num ciclo de posse
irracional, sob a mentira de que ainda nos necessitamos.
Mais claro? A situação está assim: acendo-o, trago e apago
enterrado-o no cinzeiro junta a tantas outras pontas ou entre meu sapato e as
calçadas imundas de um lugar
qualquer. Mas aí está; faço tudo
sem me dar conta, como se ele nunca tivesse estado alí nas minhas mãos, na
minha boca e internamente lambendo o meu corpo. E assim como no sexo, também
não há diferença, sempre damos uma rapidinha antes do ônibus chegar. Tão logo
este chega, nem o apago, jogo no chão, descarto-o mesmo pela metade; a porta se
abre e subo afoito os degraus, e quando os desço, lá está ele de novo entre os
dedos.
Na verdade hoje ele só complementa os meus dedos. Entre o
indicador e o médio situa-se como um sexto elemento, e daí em resposta à minha indiferença,
ele me corrói, sua cólera é tanta que do seu branco me amarela as pinças de
carne que tanto lhe sustentaram, sustentaram, e assim o
faz igualmente à minha boca: no meu beijo frio, vinga-se escarrando nos meus
dentes e língua.
É, aquela que era admiração branca, antes vinda do meu
cerne, antes uma opção sadia e feliz, tornou-se meu necessário ar infernal e
está agora manchando de outras cores impuras o meu ser, cujo raio X muito
evidencia e não nos engana, doença! Por isso digo, minha relação com o cigarro
não foi diferente da relação que tive com alguns seres humanos; a linha tênue,
antes amor e de repente objeto, diferencia-se apenas quanto a fisiologia,
enquanto um manchou-me o pulmão, a outra, outro órgão.
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